Breve história das cervejas de Natal
Afinal o que é uma “cerveja de Natal”? E qual a sua origem?
Este breve artigo tenta dar algumas luzes sobre o assunto.
Sabe-se que a cerveja tem milhares de anos. Foi provavelmente descoberta por acaso e terá sido logo considerada uma dádiva dos deuses. O sentimento relaxante e desinibidor que o seu consumo proporcionava, concerteza terá ajudado a reforçar essa ligação com o divino.
A cerveja sempre foi muito utilizada em celebrações em muitas regiões. Fazia parte de vários festejos pagãos, como o início e fim do período das colheitas ou os Solstícios de Verão e Inverno. Essas cervejas seriam tendencialmente mais fortes ou com ingredientes especiais, embora não fosse uma regra.
A partir do século IV, e com a consolidação do Cristianismo, foi oficializada a festividade Natale Domini (Natal do Senhor). Como não se sabia ao certo o dia em que Jesus nasceu (assumindo que existiu, claro), essa foi uma forma de cristianizar (abafar, converter) as festas pagãs romanas, dando-lhes uma nova simbologia.
Surgiu então o Natal, uma celebração que foi evoluindo até aos dias de hoje.
Actualmente, um pouco por todo o mundo encontram-se cervejas criadas a pensar no Natal. Seguem-se alguns apontamentos sobre a história de cervejas de Natal em alguns dos países com mais tradição na produção de cerveja.
Escandinávia
Nos países escandinavos há tradição de consumir cervejas especiais (e outras bebidas) nas festividades, e o Natal não é uma excepção. Na Noruega chamam as cervejas de Natal de Juleøl, na Suécia de Julöl e Dinamarca de Julebryg. Começaram como cervejas artesanais, produzidas, em casa, mas há registo de versões comerciais de cervejas de Natal desde pelo menos o meio do século 19. Claro que estamos a falar de vários países, com tradições e história diferentes e não parece haver muita informação online sobre as cervejas de Natal desses países. Sei que a Noruega chegou ao ponto de criar uma lei no início do século passado que obrigava à produção de cerveja para acompanhar celebrações, portanto não é difícil imaginar que há um forte apreço por cerveja natalícia pela escandinávia.
Reino Unido
No Reino Unido, não parece haver propriamente uma tradição de cervejas específicas para o Natal, no entanto alguns estilos eram mais procurados nessa época, como as winter warmers, da família old ale. Entretanto, com o crescimento da produção artesanal, existirão certamente várias cervejas modernas com a temática natalícia.
Estados Unidos
Os EUA também acabaram por importar a tradição do Reino Unido e por isso surgiram por lá cervejas da família old ale, como a Founder’s Old Curmudgeon. Uma das cervejas mais antigas produzidas já a pensar especificamente no Natal é a Anchor Christmas Ale, que é produzida desde 1975. Essa cerveja foi (alegadamente) inspirada pela tradição de cervejas de Natal na Noruega. Nos dias de hoje as cervejas de Natal nos EUA têm interpretações muitos variadas, com vários estilos de cerveja a serem utilizados para a celebração da época, por vezes com adição de especiarias, frutos ou outros ingredientes.
Alemanha e Países Baixos
Na Alemanha e Países Baixos as cervejas bock de Inverno, com notas de caramelo ou grão torrado ou até fumado, são as cervejas mais procuradas nesta época natalícia. A Alemanha, por ter as limitações do Reinheitsgebot, a sua “lei da pureza da cerveja” de 1516, não é de estranhar que as cervejas de Natal não fujam muito dos estilos alemães mais tradicionais. Mais recentemente, com o crescimento da produção artesanal, é normal que tenha surgido maior variedade de cervejas de Natal, especialmente nos Países Baixos, porque não têm a mesma rigidez de regras e tradições dos alemães.
Bélgica
Na europa continental os mosteiros foram grandes impulsionadores da produção de cerveja e por isso produziam também muitas das cervejas festivas da altura. Os mosteiros belgas são especialmente famosos pela sua produção de cerveja, mas a cerveja de Natal belga tem uma origem curiosa: a Escócia.
Produzia-se há muitos anos na Escócia um estilo de cerveja que hoje é conhecido como Scotch Ale, um estilo tendencialmente mais forte, de cor âmbar, com destaque de sabores adocicados tipo caramelo. No final de 1800, início dos anos 1900, essas cervejas tornaram-se extremamente populares na Bélgica. Percebendo o sucesso dessas cervejas, os importadores belgas lembram-se de promovê-las no Natal como cervejas de qualidade e apropriadas para aquela época. A sua popularidade era tão grande que conseguiam cobrar preços mais elevados por elas. Nessa altura terão começado a ser conhecidas como Christmas scotch ales.
Os produtores locais, apercebendo-se da popularidade dessas cervejas escocesas importadas e não querendo perder mercado, começaram a produzir as suas versões das scotch ale. Foi assim que surgiram as cervejas de Natal belgas, a interpretação belga das scotch ale, mas com características próprias devido à levedura e diferentes especiarias e outros ingredientes utilizados, como açúcares especiais.
Gosto muito de beber cervejas ricas e complexas no Natal e no Inverno em geral. Gosto muito de cervejas de Natal belgas, com o seu sabor adocicado e especiarias que me fazem lembrar da gastronomia (especialmente doçaria) do Natal.
Mas as cervejas de Natal não têm um estilo definido. São as cervejas que preferirmos consumir nesta época festiva, seja por preferência pessoal ou por força da tradição do país ou região onde nos encontramos. Ou até devido ao clima, porque se considerarmos os exemplos dos brasileiros e australianos, que comemoram o Natal no Verão, não é difícil imaginar que preferiram cervejas bem mais leves e frescas do que aqueles, como eu, que comemoram o Natal em pleno Inverno.
Um feliz Natal para todos!
